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O ministro que não calculava

Carlos Lupi, aquele que nega o déficit da Previdência, rejeita também o cálculo atuarial, que projeta o gasto previdenciário no futuro. Para ele, são ‘teorias que me incomodam muito’

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Por Notas & Informações
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O ministro Carlos Lupi disse não acreditar que as despesas da Previdência Social no Orçamento estejam subestimadas, como têm apontado alguns dos maiores especialistas em contas públicas do País. Para defender sua tese, Lupi não se deu ao trabalho de apresentar divergências sobre os números com os quais eles trabalham para projetar o gasto. Nem precisaria, pois o motivo de sua desconfiança é muito mais singelo.

“Na questão orçamentária, eu acho que grandes economistas trabalham com teorias que me incomodam muito. Porque teoria sobre o ser humano é tão subjetiva… eu posso calcular exatamente quantos vão morrer? Eu posso calcular quantos ficarão doentes? Eu posso colocar uma média”, afirmou o ministro, em estupefaciente entrevista ao Estadão.

Não é segredo para ninguém que Lupi não acredita na existência de um déficit na Previdência Social – algo que, inclusive, ele reafirmou na entrevista. “Eu não aceito isso de dizer que a Previdência é déficit, eu vou morrer assim”, disse.

Agora, no entanto, o ministro revelou que sua descrença é mais profunda e diz respeito ao conceito de cálculo atuarial. Chega a ser irônico que Lupi tenha afirmado isso no mesmo dia em que o governo divulgou a primeira avaliação bimestral de receitas e despesas do ano e elevou a estimativa de gastos com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de R$ 908,7 bilhões para R$ 914,2 bilhões.

Ora, é óbvio que não se pode prever, com exatidão, quantas pessoas morrerão ou ficarão doentes em um determinado período, mas isso não significa que não seja possível estimar os números com um certo grau de segurança, a partir de modelos e do histórico dessas despesas. Foi exatamente isso que o governo fez ao revisar as despesas da Previdência, e é com base nisso que tantos especialistas apontam que as despesas do INSS estejam subestimadas.

Essa desconfiança não vem apenas de gente “do mercado”. Nota da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados afirma que, mesmo com a revisão, os números continuam subestimados em cerca de R$ 20 bilhões, o suficiente para manter muito ceticismo sobre a possibilidade de o governo cumprir a meta de zerar o déficit primário deste ano.

A teimosia de Lupi parece imune a dados, mas não pode ser tratada como anedota. A Previdência Social é a principal despesa da União e, consequentemente, a maior fonte de déficit público. O envelhecimento da população é uma realidade e deve exigir novas reformas que impeçam o sistema de se tornar inviável.

Segundo o relatório O Brasil do Futuro, do Banco Mundial, a reforma da Previdência aprovada em 2019 foi suficiente para estabilizar o déficit do sistema até o fim da década de 2030, mas as mudanças demográficas exigiriam novos ajustes após esse período. Parte dessa economia, no entanto, pode ter sido revertida antes mesmo desse prazo – e de maneira silenciosa, como observou o economista Fabio Giambiagi em artigo publicado no Estadão.

O motivo, segundo ele, foi a aprovação da política de aumentos reais do salário mínimo, piso ao qual os benefícios do INSS são vinculados. “Em outras palavras, em plena luz do dia e sem ninguém ter dado um pio, o Brasil desfez, de uma penada, metade do que custou duas décadas e meia para aprovar”, afirmou Giambiagi.

Apontar problemas como esse não é o mesmo que tratar a Previdência como estorvo, como sugere Lupi, mas defender a sustentabilidade do INSS e de seus segurados no médio e longo prazos. Era isso que deveria estar no topo das preocupações de Lupi enquanto ministro da pasta.

Assim como o presidente Lula da Silva, Lupi é daqueles que têm dificuldades para tratar as coisas pelo nome. Alguns gastos, para eles, são mais que mero desembolso de recursos e devem ser classificados como investimentos, ainda que não gerem retorno.

Daí se entende por que o espaço das despesas discricionárias no Orçamento, rubrica na qual se inserem os investimentos públicos, é cada vez mais reduzido e consumido por despesas obrigatórias. No fundo, essa confusão de conceitos revela muito sobre a natureza do governo.